domingo, 27 de fevereiro de 2011

A suavidade da Morte.


Fazer reviver um corpo frio...
E dar a ele a beleza eterna,
Isso tudo feito com muita tranqüilidade, precisão e sobre tudo, com infinito afeto.
Participar do ultimo adeus e acompanhar o morto em sua viagem.
Nisso eu percebia uma sensação de paz e extraordinária beleza.

(Texto retirado do filme A PARTIDA de Yojiro Takita)

Danilo Firmo

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

FOLI "RHYTHM"

Não há nenhum Movimento Sem ritmo



Dicado ao povo de Baro, Guinee Afrika.

A vida tem um ritmo, é movimento constante.
A palavra para ritmo (usada pelas tribos malinké) é FOLI.
É uma palavra que engloba muito mais do que tocar bateria, dança ou de som.
É encontrado em cada parte da vida diária.
Neste filme, você não irá apenas ouvir e sentir o ritmo, mas irá vê-lo.
É uma extraordinária mistura de imagem e som que
alimenta os sentidos e lembra-nos todos
o quanto é essencial.

Post: Alex Merino

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Navio Negreiro

Cenas do Filme AMISTAD (de arrepiar!). O audio é o poema Navio Negreiro, de Castro Alvez, na voz de Paulo Autran!

(post: Alex Merino)





Navio Negreiro
Castro Alves


I

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.


II


Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...


III


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!


IV


Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...


V


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...


VI


Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!

Restos mortais de Cruz e Sousa

Restos mortais de Cruz e Sousa em chegada á Florianópolis.




"Um telegrama expedido de Sítio comunica a Nestor Victor e outros dos amigos mais íntimos do poeta a brutal notícia de sua morte, á 19 de março, e avisa que o corpo chegará na manhã seguinte à Central do Brasil. À falta de algo mais adequado, vem o cadáver num simples vagão destinado ao transporte de animais, um horse-box. Apenas cinco pessoas estão na Estação da Central, para receber os despojos mortais de Cruz e Sousa."

(Poesia e vida de Cruz e Sousa - Raimundo Magalhães Junior)

Há dois mil anos te mandei meu grito...

“É o negro ferido pelo desprezo do branco, e hostilizado, esmagado pelo orgulho do branco, impelido pelo branco a uma vida de aflição e miséria, e, no entanto, tomado de insofreável paixão pelo branco, pela mulher branca, sobretudo, que ergue os primeiros dolorosos clamores da poesia de Cruz, e procede às misteriosas transmutações que lhe transformam o mundo numa fulguração imensa, e inatingível, de gloriosas brancuras.”  Tasso da Silveira (1967).
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“Os escravos, cuja condição degradante trazia ele estampada na pele, servem-lhe de tema constante; daí para assumir atitudes abolicionistas e libertárias pouco demorou. Nesse tempo, os seus poemas, quando não encimados por palavras anódinas como “soneto” ou “poesia”, exprimem nos seus títulos o ardor revolucionário que inflama o poeta: “Avante”, “Entre Luz e Sombra”, “Sete de Setembro”, Grito de Guerra”, “Escravocratas”, “Da Senzala...”, “A Revolta”. Todos pertencem ao momento em que a indignação do poeta oscila entre ser literária e ser autêntico fruto duma experiência vivida na própria carne.” Massaud Moisés (1917).
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O autor ainda faz referência à presença de termos litúrgicos e a obsessão pelo branco, fator comum a tantas de suas metáforas. “À explicação um tanto simplista dos que viram nessa constante apena o reverso da cor do poeta, interprete mais profundo, o sociólogo francês Roger Bastide, preferiu outra dinâmica, pela qual todas as barreiras existências da vida de Cruz e Sousa – não só a cor- o levaram a um esforço de superação e de cristalização, fazendo-o percorrer um caminho inverso ao de Mallarmé, poeta do anulamento e do vazio.” Alfredo Bosi (1994).
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Em vão faz ressoar o embalde daquelas vozes que clamam há séculos inu-
tilmente para um deus absconditus:
“Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Em Dor negra a maldição é inerente à natureza da África, de sorte que a perversidade do cativeiro teria vindo somar-se a um infortúnio radical cuja origem se perde na noite dos tempos:
“Três vezes sepultada, enterrada três vezes: na espécie, na barbaria e no deserto, devorada pelo incêndio solar como por ardente lepra sidérea, és a alma negra dos supremos gemidos, o nirvana negro, o rio grosso e torvo de todos os desesperados suspiros, o fantasma gigantesco e noturno da Desolação”.
Ao infortúnio da terra veio acrescentar-se “o duro coturno egoístico das Civilizações, em nome, no nome falso e mascarado de uma ridícula e rôta liberdade” – dando o poeta a entender que a liberdade tardia dos povos africanos se fez mediante o reforço do poder do branco.
Como em Castro Alves, o coração da mensagem é trágico, quer se pense em termos da natureza da África, comburida e estéril, quer em termos da sua história sobre a qual paira a maldição de Cam. Assim, em vários textos das Evocações, a figura do poeta maldito deslocou-se da tensão artista versus burguês, patente em Baudelaire e em Verlaine (no Verlaine revelador de Rimbaud) para a tensão África versus Civilização ou, amplamente, África versus história universal.
É conhecida a tese de Roger Bastide formulada no seu estudo de literatura comparada “Cruz e Sousa e Baudelaire”. O poeta “metamorfoseou seu protesto racial em revolta estética, seu isolamento étnico em isolamento do poeta, a barreira de cor na barreira dos filisteus contra os artistas puros.” (Bosi; Poesia versus racismo)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

BUNRAKU

O bunraku, é uma herança da cultura popular e serve para contar as histórias do Japão antigo. Com movimentos quase humanos e vestidos com kimonos, os bonecos se tranformam em verdadeiros atores no palco. Ao fundo, o som do shamisen marca o compasso da narrativa e o movimento dos bonecos dá a impressão de que têm vida própria.

Origem

A palavra bunraku referia-se originalmente a um empresário teatral, e passou a designar o nome do seu próprio teatro, onde eram representadas as peças. Há cerca de 100 anos a palavra passou a designar o próprio gênero, que, ao contrário do teatro de bonecos que existe em diversos países, não é primariamente destinada ao público infantil, mas sim aos adultos. No bunraku, a representação exige técnicas sofisticadas que junta principalmente narração (conhecido como Tayu), música shamisen e manipulação de bonecos. As peças são desenvolvidas enfocando temas universais, como o Sonezaki Shinju, que baseada em um acontecimento real na cidade de Osaka, conta a história de jovens amantes que se suicidam por não serem compreendidos.

Não se pode determinar com precisão a época em que os bonecos surgiram no Japão, mas acredita-se que na era Heian (entre os séculos 9 e 12) já havia pelo menos um grupo profissional itinerante de manipuladores de bonecos que viajava por diversas regiões. Eles já fundiam a ação cênica dos bonecos com narração e música, sobretudo o instrumento de cordas shamisen.

Entre os mais importantes grupos de narradores estava Guidayu, que fundou um teatro em Osaka especialmente para a performance de teatro de bonecos chamado Takemoto-za. Até este momento, os bonecos eram menores e manipulados por um homem que se posicionava em pé atrás de uma cortina de seu tamanho, e com a mão introduzida por baixo das roupas dos bonecos os movimentava. Em meados do século XVIII surgiram os atuais bonecos, maiores e manipulados por três artistas.
          
As primeiras peças foram criadas coletivamente, por meio de uma técnica peculiar onde escritores de nível semelhante escreviam juntos uma única obra. Muitas delas são representadas ainda hoje.

No início do século XIX, as peças do teatro Bunraku-ken, administrado pelo grupo de Uemura Bunraku-ken, da ilha de Awaji, foi a Osaka, obtendo sucesso ao apresentar pelas de ótima qualidade com artistas brilhantes. A partir de 1872, o grupo passou a chamar-se oficialmente Bunraku-za, vivendo um período de esplendor. A tal ponto que no final da era Meiji passou a representar o próprio gênero. Nos últimos quarenta anos, com a colaboração do governo japonês, da NHK (Emissora Pública de Rádio e Televisão do Japão) e da província de Osaka, foi organizada a Associação Bunraku, para difundir e estimar a prática do gênero. Em 1984 foi inaugurado o Teatro Nacional de Bunraku em Osaka.


         
Dramaturgia no Teatro Bunraku

O dramaturgo Chikamatsu Monzaemon (1653-1714) produziu obras extremamente sofisticadas para o teatro Bunraku. Em vez de temas simples como histórias guerreiras que prevaleciam inicialmente no teatro de bonecos, produziu peças históricas complexas e poéticas, combinando diversas obras do teatro Nô clássico. Ao escrever também uma série enfocando o drama de amantes suicidas, bem como as paixões e as contradições do cotidiano popular, Chikamatsu criou um novo tipo de realismo que se tornou conhecido como sewamono. Nesse tipo de peça não existem vilões óbvios: a tragédia tem sua origem nos conflitos de gente essencialmente boa, presa nas malhas de uma sociedade regida por códigos extremamente severos. Influente como Chikamatsu era, contudo, o público de Edo acabou por preferir peças de construção mais simples, com vilões evidentes e tramas excitantes e irreais. As peças criadas por Chikamatsu eram talvez refinadas demias para o mundo teatral do período Edo, e poucas das suas obras históricas foram encenadas em versões originais. A partir de certa época, os dramas enfocando amantes suicidas foram proibidos sob a alegação de serem sensacionais demais, e quando enfim voltaram a ser permitidos, versões vulgares das pelas de Chikamatsu dominaram os palcos. Contudo, deve-se virtualmente a Chikamatsu a criação de todo um mundo imaginário para o teatro de bonecos. Tanto assim que, na elaboração de pelas históricas, os demais dramaturgos quase sempre buscavam inspiração em personagens e situações criados por Chikamatsu. E, a partir de 1868, quando o Japão abriu seus portos para o o mundo ocidental, as peças enfocando amantes suicidas foram também revividas. Hoje, Chikamatsu é reconhecido como um dramaturgo de grandeza internacional, freqüentemente referido como o “Shakespeare do Japão”.
          
A época de Chikamatsu passou, mas o teatro de bonecos continuou a florescer, agora com peças longas e complexas escritas por equipes de dramaturgos. (As mais famosas, “Sugawara e o Manuscrito Secreto” (1746), “Yoshitsune e as Cerejeiras” (1714) e “Chushingura: a Saga dos Quarenta e Sete Súditos Leais” (1748), são até hoje freqüentemente encenadas em palcos tanto do teatro Kabuki quanto do Bunraku). Com o tempo, o teatro de bonecos de Osaka tornou-se tão vigoroso que chegou a ofuscar por completo o teatro Kabuki, dando a impressão, a uma certa altura, de que este último gênero havia desaparecido. Importantes obras para bonecos continuaram a ser escritas até fins do século XVIII e, depois disso, as técnicas de performance tornaram-se bastante requintadas.

Tanto as peças históricas como os sewamono contêm um elemento racional e humano bem desenvolvido para ajustar-se à cultura dos astutos mercadores de Osaka. Deuses ou budas nunca intervêm, e muito embora milagres e eventos fantásticos possam ocorrer de tempos em tempos, resultam todos eles do esforço dos seres humanos.



Detalhes técnicos

Os bonecos geralmente têm de 3 a 4 e meio pés de altura e seu peso pode chegar de 6 até 20 quilos. Eles dão a impressão de que têm vida própria porque cada boneco é manipulado por três homens (titereiros), em sincronia perfeita. Inclusive para manipular os bonecos são necessários cerca de 10 anos de aprendizado em cada estágio.
O titereiro principal se chama omo-zukai e ele insere sua mão esquerda no orifício do quadril e segura a haste do pescoço entre o polegar e o indicador. Enquanto sustenta o peso do boneco, utiliza os 3 dedos restantes da mão para manipular os fios que movem os olhos, a boca, e a sobrancelha. Sua mão direita é utilizada para mover o braço direito do boneco.
O braço esquerdo do boneco é manipulado pelo hidari-zukai que desempenha o papel de assistente. Precisa trabalhar em sintonia com o omo-zukai observando a direção da cabeça do boneco e determinando a posição do braço esquerdo de acordo com essa direção.
As pernas do boneco são manipuladas pelo ashi-zukai, que move os ganchos em forma de L, instalados atrás dos calcanhares para trás e para frente, para esquerda e para direita a fim de imitar os movimentos das pernas. Este trabalho é cansativo porque durante a apresentação é obrigado a se manter oculto da platéia, pois assume uma postura inclinada. Para todos os movimentos há regras detalhadas e formas a serem seguidas e nenhum manipulador pode improvisar.
Uma apresentação também tem a participação do Tayu que recita o Joruri que é uma forma poética semelhante a um drama épico e o músico do Shamisen que, com um instrumento de 03 cordas fornece acompanhamento musical para recitação e manipulação dos bonecos. De uma forma simples pode-se dizer que a história narrada pelo Tayu é um poema épico escrito numa forma dramática e o Shamisen acompanha a narrativa criando uma atmosfera musical para que os bonecos atuem conforme a melodia produzindo um efeito combinado, semelhante a uma apresentação de ópera.
O Joruri não é apenas um canção com melodia e ritmo pois ela explica através da música, o desenrolar do espetáculo. Nesta tarefa, o Tayu utiliza diferentes tons de voz para distinguir papéis masculinos e femininos ou para mostrar sentimentos e  emoções. E a interpretação do Joruri é que pode diferenciar a apresentação das peças.
Texto extraído da FUNDAÇÃO JAPÃO

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

ARTE E A MORTE

Em toda a história da humanidade a arte sempre foi utilizada para registrar a morte.
Nas imagens do inferno a arte é utilizada para mostrar o terror, capaz de aprisionar o coração e a mente do povo.
Há dois mil anos o povo Etrusco- Itália utilizava a arte para transmitir mensagens reconfortantes de uma vida eterna. A morte era a prazerosa esperança de uma nova vida. Os túmulos encontrados nas escavações mostram imagens reconfortantes de uma vida eterna. Mostram também, contraditoriamente, imagens de demônios com personagens estranhas apoderando-se dos corpos, provavelmente de malfeitores.
No Egito, os túmulos dos Faraós são um exemplo muito conhecido do uso da arte na vida e na morte.
O que é importante observar é que a arte sempre foi utilizada para dominar a mente. Os nazistas usavam um crânio e dois ossos cruzados; Os Astecas construíam pirâmides mostrando as várias camadas sociais com esculturas de crânios que registram a história de sacrifícios homanos.
Jesus Cristo pregado na cruz é o símbolo mais poderoso e mais intenso que mostra o horror da morte e ao mesmo tempo a esperança na salvação e vida eterna. Duas formas opostas: dor, sofrimento e a reconfortante subida aos céus. As obras de El Greco e Botticelli estão repletas de imagens que mostram estas contradições de maneira genial.
A igreja Cristã sempre soube utilizar bem a arte para dominar a mente humana. Outras igrejas que a imitam ou a seguem também utilizam a arte para pregar suas crençãs.


Nicéas Romeo Zanchett - artista plástico
(tumbas faraônicas)


Para Acabar de Vez com o Juízo de Deus

Onde cheirar a merda
cheira a ser.
O homem poderia muito bem deixar de cagar,
deixar de abrir a bolsa anal,
mas preferiu cagar
como poderia ter preferido viver
em vez de consentir em viver morto.
É que para não fazer cocô
teria que aceder
a não ser,
mas ele é que não foi capaz de se resolver a perder o ser,
isto é a morrer vivo.


(Artaud: Para Acabar de Vez com o Juízo de Deus; 1975, pg 29)

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Da atenção à escuta

Esse excesso de atenção, ou essa distribuição da atenção, exigida ao atuador no teatro de animação, não significa tensão. Pelo contrário, é imprescindível uma disponibilidade física e mental para se manter atento, que a tensão não permite. A tensão bloqueia o fluxo da energia que deve estar disponível para o jogo e cria alterações corporais no manipulador que pré-desenham o gesto, atraindo o olhar da platéia. Mas, ainda que haja uma distribuição dessa atenção, em relação à função de ator, o ator-manipulador precisa de uma atenção especial ao objeto (boneco), algo como o que Caroline Holanda chama de “escuta do objeto”, o corpo e os sentidos voltados à atuação com o boneco, à manipulação. Um envolvimento configurado pela atenção, concentração e convicção na vida do boneco, aberto às disponibilidades e possibilidades do mesmo. Essa postura informa ao público as marcas de vida do boneco, afirma a animação. Escutar o objeto contribui para a neutralidade do ator-manipulador, levando-o ao que Balardim chama de estado contemplativo, ao se colocar a serviço do objeto, escutando as “leis” daquele objeto para encontrar pontos de atuação sem desperdícios de energia. Ocorre, então, um estar disponível às informações lançadas pelo boneco para usá-las, ou não, no processo de criação da animação. Não um estar passivo, mas uma junção de potencialidades, uma troca de informações entre ator-manipulador e boneco para a composição cinética e dramatúrgica da encenação.
            Balardim afirma que a emoção do ator em cena ecoa no público através do mimetismo; o público projeta-se na emoção revelada do ator. Logo, é necessária, no ator-manipulador, uma busca permanente de um estado de neutralidade, que além de evitar “roubar” o olhar do espectador pelo movimento ou pela demonstração da emoção no próprio corpo e reforçar que a importância da cena, naquele momento, está no boneco, tece uma linha de comunicação entre ator-manipulador e boneco. Instala-se uma “conversa” entre ambos, iniciada na escuta do objeto, que permite ao ator-manipulador, abrindo sua percepção, entender a “fala” do boneco, suas possibilidades expressivas, reações, etc, que fluidifica pelo estado de neutralidade a que o ator-manipulador se permite e retorna ao boneco pela energia empregada para dar-lhe movimento qualificado.
            A neutralidade do ator-manipulador pode ocorrer ele estando visível ou não ao espectador. Balardim quando ele diz que a neutralidade talvez seja a palavra-chave para uma boa manipulação, pois ela é a base de todo um mecanismo psicológico acionado pelo ator-manipulador que irá sobrecair sobre o público”. No In Bust há um ir e vir a este estado. Sempre presente e visível, será a neutralidade do ator-manipulador que irá mostrar ao espectador para onde deve olhar, quem ou o quê é importante na cena, qual o foco principal. Ele exercita uma escuta dupla, em si e no boneco, para não se surpreender no foco de uma cena que não é sua ou que é sua também. E mesmo estando no jogo, envolvido numa espécie de inocência infantil da brincadeira, esse envolvimento deve ser racional e de auto permissão e a atitude neutral deve ser consciente, para que se estabeleça um exercício também do público em relação ao foco conduzido pelo ator manipulador, sem confundi-lo.
            Assim, presente em cena, o ator-manipulador, pode ir da discrição total, neutralidade máxima possível, até ao ser um personagem que manipula outro personagem (boneco), e que compartilha uma parte do corpo com esse personagem, ou algo mais complexo e visível e presente na cena que isso.