quarta-feira, 26 de março de 2014

Diário do Che na Bolívia (ultima página)

OCTUBRE 7 (1967)

Se cumplieron los 11 meses de nuestra inauguración guerrillera sin complicaciones, bucólicamente; hasta las 12.30 hora en que una vieja, pastoreando sus chivas entró en el cañón en que habíamos acampado y hubo que apresarla. La mujer no ha dado ninguna noticia fidedigna sobre los soldados, contestando a todo que no sabe, que hace tiempo que no va por allí. Sólo dio información sobre los caminos; de resultados del informe de la vieja se desprende que estamos aproximadamente a una legua de Higueras y otra de Jagüey y unas 2 de Pucará. A las 17.30, Inti, Aniceto y Pablito fueron a casa de la vieja que tiene una hija postrada y una medio enana; se le dieron 50 pesos con el encargo de que no fuera a hablar ni una palabra, pero con pocas esperanzas de que cumpla a pesar de sus promesas. Salimos los 17 con una luna muy pequeña y la marcha fue muy fatigosa y dejando mucho rastro por el cañón donde estábamos, que no tiene casas cerca, pero sí sembradíos de papa regados por acequias del mismo arroyo. A las 2 paramos a descansar, pues ya era inútil seguir avanzando. El Chino se convierte en una verdadera carga cuando hay que caminar de noche. El Ejército dio una rara información sobre la presencia de 250 hombres en Serrano para impedir el paso de los cercados en número de 37 dando la zona de nuestro refugio entre el río Acero y el Oro. La noticia parece diversionista. h-2,000 ms.

Ernesto Che Guevara foi morto a tiros nos fundões da Bolívia no dia 9 de outubro de 1967

"Sou Guevara e fracassei".

BOLIVIA CONFIRMA A MORTE GUEVARA
Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 1967
Neste texto foi mantida a grafia original

La Paz, 10 (Folha) — A noticia da morte de Ernesto "Che" Guevara foi hoje confirmada oficialmente pelo exercito boliviano apesar do silencio do governo.
O general Alfredo Ovando Candia, chefe das Forças Armadas da Bolivia, atribuiu a Guevara esta frase, que foram suas ultimas palavras: "Sou o "Che" Guevara e fracassei."
Por outro lado, as impressões digitais de Guevara foram enviadas aos peritos bolivianos, assessorados por especialistas da CIA nos trabalhos de identificação do corpo, segundo declaração do chanceler argentino Nicanor Costa Mendez.
Em Washington reina silencio, declarando o porta-voz do Departamento de Estado que "não se possuem meios para confirmar a informação."
Em Havana a noticia foi divulgada ontem, reconhecendo a presença de "Che" Guevara na Bolivia.


Exercito confirma morte de Guevara

La Paz, 10 (Folha) — O comando de Forças Armadas da Bolivia comunicou hoje oficialmente a morte de Ernesto "Che" Guevara durante o choque com guerrilheiros ocorrido domingo em Higueras.
Entretanto o governo boliviano não confirmou a noticia. Peritos da Agencia Central de Inteligencia dos EUA (CIA), e do exercito boliviano encontravam-se em Valle Grande desde ontem fazendo o levantamento do cadaver dado como sendo de Guevara, para estabelecer sua verdadeira identidade. Apesar da confirmação oficial anunciada ao meio-dia de hoje os circulos do departamento de Estado norte-americano ainda encaram com ceticismo a noticia. O porta-voz oficial do departamento recusou-se a comentá-la oficialmente afirmando que até o momento não dispunham de meios para verificar a veracidade da informação. Ontem a Radio de Havana havia divulgado a noticia ainda sem confirmação oficial, reconhecendo pela primeira vez que o ex-ministro da Industria de Cuba estava realmente na Bolivia. Hoje limita-se a repetir os despachos de La Paz sem fazer referencias a Guevara. O comunicado oficial do exercito não esclarece completamente o misterio sobre as circunstancias da morte do "Che", anunciada primeiramente como tendo ocorrido domingo, ao passo que ontem circulavam informações afirmando que ocorrera durante os interrogatorios a que fora submetido após "sua prisão em Higueras". A cidade de Valle Grande, para onde foi transladado o corpo, foi virtualmente tomada por jornalistas de todo o mundo, muitos dos quais transportados em aviões da Força Aerea boliviana para assistir à identificação do cadaver. 


A identificação

Os peritos internacionais em identificação afirmam que não existem grandes problemas para a identificação do corpo, uma vez que as fichas datiloscopicas em poder da policia da Argentina, a patria de Guevara, contêm as impressões digitais dos dez dedos. O ministro argentino das Relações Exteriores, Nicanor Costa Mendes, afirmou hoje que a "policia" de nosso país enviou oportunamente as fichas datiloscopicas de Ernesto Guevara ao embaixador boliviano na OEA". Para o comandante da região militar de Santa Cruz, coronel Joaquim Zenteno, não existe a minima duvida: O cadaver é o de "Ramon" e "Ramon" era "Che-Guevara". Segundo testemunhas visuais, a semelhança entre os traços do guerrilheiro morto e as ultimas fotos de "Che", que teriam sido descobertas há algum tempo no acampamento de Nancahuzu, é impressionante.


O cadaver

A rigidez cadaverica não modificou a expressão deste rosto, que os jornalistas bolivianos classificam de "cinico".
Um furo na altura do coração assinala o local em que se produziu a morte. As pernas estão literalmente crivadas de balas de metralhadoras de mão. Em torno deste cadaver, diante do qual desfilam desde ontem chefes militares, jornalistas e autoridades locais, persiste o misterio. As autoridades militares de Valle Grande conseguem a duras penas conter o povo que, desde a noite passada, rodeia o hospital, com a esperança de poder entrar e olhar o cadaver transportado em helicoptero.
Alguns circulos bolivianos acreditam que o "Che" tinha sosias nas guerrilhas. O testemunho de alguns guerrilheiros capturados é, a este respeito, singular. Enquanto alguns afirmam que o "Dr. Ramon" era alto e atletico", outros asseguram que "Fernando" estava debilitado e enfermo. "Ramon" e "Fernando", segundo alguns comunicados do Exercito são os nomes de guerra do ex-ministro de Fidel Castro.
Recentes fotografias mostram, alem disso, um guerrilheiro com um cachimbo na boca, cavalgando um burrico na selva boliviana. Trata-se-ia de "Che", que não mais poderia andar a pé.


Barrientos manda enterrar Guevara

La Paz, 10 (Folha) — O presidente René Barrientos ordenou que o corpo de Guevara seja enterrado em Valle Grande e não trazido a La Paz como se informara inicialmente.
Barrientos considera que Guevara deve ter funeral como o de qualquer dos outros guerrilheiros mortos pelas Forças da Bolivia.
As noticias de Valle Grande, onde está o corpo, são ainda fragmentarias dada a dificuldade nas comunicações.
Os jornalistas que viajaram esta manhã em avião militar não haviam regressado ainda ao cair da noite e as condições meteorologicas da cordilheira pareciam indicar que seria dificil a chegada a La Paz.
De qualquer maneira, no aeroporto de El Alto não podem descer aviões após o escurecer, em condições normais.
Fontes autorizadas chegadas à Presidência indicam que a tarefa de identificação do corpo de Guevara foi realizada minuciosamente e seguindo as mais modernas tecnicas cientificas. E admitiam que as autoridades e o Exercito boliviano houvessem contado com a ajuda de tecnicos do Serviço Central de Inteligencia dos EUA (CIA).
Já se noticiava que um grupo do CIA viajara ontem rumo a Valle Grande.
Uma cicatriz na mão esquerda, produzida por um ferimento sofrido em Sierra Maestra, em Cuba, era outro dos pormenores caracteristicos da figura de Guevara.
No diario encontrado em seu poder, Guevara subestimava as possibilidades do Exercito boliviano, mas, posteriormente escrevia que o Exercito melhorara suas taticas e que estava assertando duros golpes aos guerrilheiros. O diario tambem manifestava admiração pelo soldado boliviano, classificando-o de duro para a luta.


Como morreu Guevara

De acordo com a informação fornecida hoje pelo general Ovando Candia, Guevara foi um dos primeiros a cair na ação de domingo. Foi abatido enquanto se lutava frente a frente, a uma distancia de uns 50 metros. Um grupo de soldados o rodeou imediatamente e, sem saber ainda de quem se tratava, arrastou-o para as fileiras dos "rangers" (soldados especialistas em guerrilhas).
Informações de fontes oficiais disseram que os guerrilheiros intensificaram seu ataque para tentar recolher o corpo, mas não tiveram exito. Ovando disse que o corpo ficou estendido numa especie de terra de ninguem por algum tempo, até que chegou um helicoptero de Valle Grande, a bordo do qual viajava o major Nino de Guzman, que conseguiu aproximar-se e ouvir as ultimas palavras de Guevara. A versão de La Paz coincide com a do general Ovando, em que essas ultimas palavras foram:
"Sou Guevara e fracassei".
Provas irrefutaveis, como o diario de "Che" os documentos que levava e as impressões digitais que lhe foram tiradas imediatamente depois de morto, identificaram-no como Ernesto Guevara.

FONTE: http://almanaque.folha.uol.com.br/mundo_11out1967.htm

quarta-feira, 5 de março de 2014

Meus 13 dias com Chê Guevara


Depois, num encontro restrito do Che com antigos amigos e seis jornalistas, fiz uma pergunta que destoava do tom daqueles tempos em que a dialética e filosofia marcavam a revolução. Houve risos de sarcasmo e entreolhares de surpresa. Só mesmo um "macaquito brasileño" indagaria algo tão simples e sem sentido, que raiava a tolice, em meio àqueles argentinos de fama e prestígio, que discorriam com total naturalidade sobre o empirocriticismo ou a identidade dos contrários, para exibir o máximo de sabedoria ao conterrâneo famoso.
          Só ele, o anfitrião e entrevistado, não riu nem sorriu e, em voz alta, repetiu a si mesmo a pergunta:
          - Qué es lo más importante en un combatiente?
        No inverno úmido, a asma reaparecia e, às vezes, lhe travava a respiração, mas Ernesto Che Guevara não titubeou na resposta:
          - Las extremidades! A extremidade inferior, os pés! - exclamou, e a gargalhada de zombaria foi geral.
          Outra vez. só ele não riu. E, sem ouvir o riso galhofeiro dos que se riam unicamente por pensar que ele também iria rir, tomou um tom ainda mais sério e começou a falar da importância das extremidades. Sim, porque os cuidados essenciais são três, e nessa santíssima trindade está o poder de ataque e defesa do combatente, sua condição de céu ou inferno. Primeiro a cabeça, extremidade superior, que conduz tudo. Perder a cabeça é perder-se, seja onde for. Logo, as extremidades laterais, os braços. Ágeis, envolventes e voluptuosos como no amor, ou lentos e inertes como no sono, os braços - e neles as mãos - defendem um ritmo, o ritmo do corpo que controla a carabina, movendo-se como uma bailarina na dança ou uma serpente na árvore.
          Por fim, as extremidades inferiores, os pés, sustentação do corpo e dos braços. Base da base e de tudo que é básico, os pés definem e guiam o passo da coluna guerrilheira. A velocidade de quem avança, quem marca é o pé mais cansado ou menos cansado. A cadência, é ele que dá, até mesmo na correria do recuo, quando nos atacam e retrocedemos. Se o pé aguenta, tudo se aguenta.
          O Che fitou o alto da parede da sala do hotel e disse:
         - Nossa experiência guerrilheira em Cuba mostra algo simples, rudimentar. Pode-se descuidar de todo o corpo, menos dos pés. Um combatente pode ficar semanas ou meses sem um banho, mas deve lavar os pés a cada dia. A roupa pouco importa, mas o calçado é fundamental! - completou Guevara, pernas cruzadas, tocando com a mão a própria bota, do cano à sola, numa irrefreável carícia.

(Meus 13 dias com Chê Guevara, de Flávio Tavares, páginas 70 e 71)