quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A ESPERTEZA INÚTIL DE SÍSIFO

A INÚTIL TAREFA DE SÍSIFO
por Anderson Francisco
FONTE: obvious

Uma das grandes heranças que os antigos gregos deixaram para a humanidade foi sem dúvida a riqueza de sua mitologia. Dentre esses mitos, um nos convida a refletir sobre nossa atitude diante da inevitabilidade da morte: o mito de Sísifo.

O suplício de Sísifo - Franz von Stuck (1863/1928)

Conta o mito que Sísifo foi fundador e rei da atual cidade grega de Corinto. Certo dia, Sísifo viu quando Zeus sequestrou a filha de um outro rei grego e denunciou o Senhor do Olimpo ao pai da moça. Zangado, Zeus manda Tânatos (a morte) atrás de Sísifo que, além de conseguir fugir da morte, ainda a aprisiona. A partir daí, ninguém mais morreu e Hades, Senhor do Reino dos mortos, foi queixar-se a Zeus que acabou libertando Tânatos.

A morte, então, conseguiu capturar Sísifo e levou-o ao mundo dos mortos. O que nem Tânatos nem Hades sabiam é que Sísifo havia ordenado a sua esposa que ela não prestasse a ele as homenagens fúnebres de costume. Sísifo não pode, dessa forma, ser recebido na morada dos mortos e propôs a Hades que o deixasse voltar ao convívio dos vivos para resolver o problema e castigar a esposa por tão grande desonra. Resultado: Hades consentiu e Sísifo, mais uma vez, escapuliu. Não é a toa que Sísifo ficou conhecido como o mais esperto entre todos os homens.

E com tanta esperteza, Sísifo viveu até a mais avançada velhice, quando morreu naturalmente. De volta ao reino de Hades, recebeu como castigo a tarefa de rolar uma enorme pedra até o cume de uma montanha; mas sempre que chegava lá a pedra rolava montanha abaixo e ele tinha que recomeçar sua tarefa por toda eternidade.

Hades e Perséfone em seu palácio - © Kathleen Cohen, World Art Database

Assim como Sísifo, muitos são os que tentam fugir da morte tentando os mais diversos caminhos. O problema é que, qualquer que seja o caminho tomado, sempre vai acabar no mesmo lugar: na "curva da estrada", como disse Fernando Pessoa. Nenhuma das artimanhas de Sísifo impediu que, no fim da vida, também ele contornasse essa “curva”. Fugir da morte é inútil, assim como inútil é a tarefa que Sísifo executa empurrando a pedra montanha acima. Eis o sentido do seu castigo: lembrar-lhe – e lembrar-nos também – a inutilidade de sua “esperteza” durante a vida.

Aceitar a inevitabilidade da morte, porém, não é o mesmo que sentar-se e esperar que ela nos venha visitar. O que fazer, então? Uma resposta possível está no que disse o filósofo romano Lúcio Sêneca: “deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer”. A vida é para se aprender a viver, a amar – como disse dom Hélder Câmara, por exemplo – mas também para se aprender a morrer. E é isso que nos falta, aprender a morrer, não no sentido de suicidar-se, mas no de preparar-se para ela. Aprender a caminhar até a “curva da estrada”, sem pressa, sem, todavia, deter-se pelo caminho.

Há um poema do pernambucano Manuel Bandeira que retrata bem o sentimento de quem chegou a esse aprendizado. Diz Bandeira:

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

Empenhar-se em fugir da morte é tomar para si a tarefa estéril de Sísifo, empurrando a pedra montanha acima para logo em seguida vê-la rolar montanha abaixo. Não se pode enganar a morte, como pensou Sísifo. Cabe-nos, então, cuidar para que, findado o nosso caminho, ela nos encontre “com cada coisa em seu lugar”, talvez com medo, talvez sorrindo, porém caminhado, no momento em que contornaremos a curva derradeira.

Post: Alex Merino

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