domingo, 6 de fevereiro de 2011

Da atenção à escuta

Esse excesso de atenção, ou essa distribuição da atenção, exigida ao atuador no teatro de animação, não significa tensão. Pelo contrário, é imprescindível uma disponibilidade física e mental para se manter atento, que a tensão não permite. A tensão bloqueia o fluxo da energia que deve estar disponível para o jogo e cria alterações corporais no manipulador que pré-desenham o gesto, atraindo o olhar da platéia. Mas, ainda que haja uma distribuição dessa atenção, em relação à função de ator, o ator-manipulador precisa de uma atenção especial ao objeto (boneco), algo como o que Caroline Holanda chama de “escuta do objeto”, o corpo e os sentidos voltados à atuação com o boneco, à manipulação. Um envolvimento configurado pela atenção, concentração e convicção na vida do boneco, aberto às disponibilidades e possibilidades do mesmo. Essa postura informa ao público as marcas de vida do boneco, afirma a animação. Escutar o objeto contribui para a neutralidade do ator-manipulador, levando-o ao que Balardim chama de estado contemplativo, ao se colocar a serviço do objeto, escutando as “leis” daquele objeto para encontrar pontos de atuação sem desperdícios de energia. Ocorre, então, um estar disponível às informações lançadas pelo boneco para usá-las, ou não, no processo de criação da animação. Não um estar passivo, mas uma junção de potencialidades, uma troca de informações entre ator-manipulador e boneco para a composição cinética e dramatúrgica da encenação.
            Balardim afirma que a emoção do ator em cena ecoa no público através do mimetismo; o público projeta-se na emoção revelada do ator. Logo, é necessária, no ator-manipulador, uma busca permanente de um estado de neutralidade, que além de evitar “roubar” o olhar do espectador pelo movimento ou pela demonstração da emoção no próprio corpo e reforçar que a importância da cena, naquele momento, está no boneco, tece uma linha de comunicação entre ator-manipulador e boneco. Instala-se uma “conversa” entre ambos, iniciada na escuta do objeto, que permite ao ator-manipulador, abrindo sua percepção, entender a “fala” do boneco, suas possibilidades expressivas, reações, etc, que fluidifica pelo estado de neutralidade a que o ator-manipulador se permite e retorna ao boneco pela energia empregada para dar-lhe movimento qualificado.
            A neutralidade do ator-manipulador pode ocorrer ele estando visível ou não ao espectador. Balardim quando ele diz que a neutralidade talvez seja a palavra-chave para uma boa manipulação, pois ela é a base de todo um mecanismo psicológico acionado pelo ator-manipulador que irá sobrecair sobre o público”. No In Bust há um ir e vir a este estado. Sempre presente e visível, será a neutralidade do ator-manipulador que irá mostrar ao espectador para onde deve olhar, quem ou o quê é importante na cena, qual o foco principal. Ele exercita uma escuta dupla, em si e no boneco, para não se surpreender no foco de uma cena que não é sua ou que é sua também. E mesmo estando no jogo, envolvido numa espécie de inocência infantil da brincadeira, esse envolvimento deve ser racional e de auto permissão e a atitude neutral deve ser consciente, para que se estabeleça um exercício também do público em relação ao foco conduzido pelo ator manipulador, sem confundi-lo.
            Assim, presente em cena, o ator-manipulador, pode ir da discrição total, neutralidade máxima possível, até ao ser um personagem que manipula outro personagem (boneco), e que compartilha uma parte do corpo com esse personagem, ou algo mais complexo e visível e presente na cena que isso.

2 comentários:

  1. Ou seja....nesse caso a neutralidade significa APENAS fazer o necessário....Como beber um como d'água....apenas pegue o copo....coloque a água..e beba....

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  2. Há um refinamento da escuta do manipulador em relação ao objeto (o que está sendo manipulado), isso não torna o manipulador passivo, a fluidez desse diálogo possibilitará uma dramatúrgia corporal.
    O estado neutral para a mediação da obra inclui um estado de estar a serviço, disponível para a comunicação entre o manipulador e o manipulado,sem desperdícios de energia, sem restringir os variados níveis de percepção (por meio dos elementos sensoriais)estabelecido com o receptor-espectador.

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